Only Lovers Left Alive
“Only Lovers Left Alive” (sem
título em português) é um filme escrito e dirigido por Jim Jarmusch
laçado em 2013. No Brasil, infelizmente, o filme passou somente em
alguns festivais. A trama gira em torno de dois vampiros e amantes, Adam
(Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton), e seus desafios de sobreviverem
aos nossos dias.
O tema vampiro perpassa toda história do cinema, do expressionista Nosferatu
(1922) de Friedrich Wilhelm Murnau, aos recentes filmes e séries de
vampiros com um olhar adolescente, essa figura sempre é uma constante no
cinema. No caso de Nosferatu, por exemplo, o vampiro é uma
metáfora a um inimigo escondido no escuro que não se sabe quem é –
normalmente esta é a temática do expressionismo alemão, posteriormente,
estes “inimigos ocultos” serão identificados com judeus e outras
minorias no III Reich. Mais recentemente, os vampiros tornaram-se
figuras extremamente efêmeras e triviais na cultura pop.
Os dois vampiros principais são amantes
da cultura, conhecimento e arte. Eve ama, principalmente, a literatura e
a botânica, enquanto Adam a música e tem um painel com as fotos de seus
heróis, como Einstein, Darwin, Tesla e muitos outros grandes
cientistas. Os dois tem real necessidade dessa essência humana que é sua
produção artístico-científico-cultural. Entretanto, chamam os humanos
de zumbis, pois estes não valorizam tudo isso, Adam chama a lamentar dos
humanos ainda não aceitarem Darwin e o destino trágico de todos estes
grandes criadores da cultura. Temos também o vampiro Marlowe (John
Hurt), que no filme é o autor de famosas peças da literatura universal
creditadas a outro autor, o qual você descobrirá assistindo ao filme.
Adam
e Eve tem personalidades complementares e opostas, o que é
belissimamente representado pelas cores de seus cabelos e figurinos. Há
uma cena em que ambos praticamente formam a imagem do Ying Yang.
Enquanto Eve é alegre e expansiva, como vemos em sua amizade com
Marlowe, Adam é introspectivo e triste, lamentando pelo destino dos
cientistas e a trivialidade da cultura contemporânea. No filme,
mostra-se que ambos também influenciaram toda a arte, especialmente Adam
dando suas composições musicais a outras pessoas.
Mesmo
sendo amantes no mais profundo sentido da palavra, ambos vivem em
locais diferentes do mundo, o que já é uma interessante metáfora do que é
amar. Porém, de tempos em tempos se encontram, nesse caso, motivado por
mais uma crise existencial de Adam.
Além da dificuldade em viver em uma época
culturalmente estéril, ambos tem dificuldade em sobreviver devido aos
humanos além de contaminarem a água e o meio ambiente, terem contaminado
seu próprio sangue, levando os vampiros a necessitarem buscar em bancos
de sangue a mais puro e essencial sangue, já que atacar as pessoas é
complicado pelos problemas em se livrar dos corpos, diferente da idade
média, e da própria contaminação do sangue.
Vemos que o sangue, por exemplo, em
culturas sumérias representavam a vida e a própria alma, daí o mito do
vampiro que suga o sangue, ou seja, a alma e a vida dos humanos. Dessa
forma, a necessidade deles de buscar sangue puro e concentrado, além de
falar de drogas, medicamentos, suplementos, entre outros que contaminam o
sangue; representa o essencial da existência humana enquanto a arte, a
cultura e a ciência, a também é uma produção cultural humana. Para isso,
o diretor mostra instrumentos musicais antigos, discos, equipamentos
antigos, livros clássicos, entre outros. Os cenários e fotografias são
bem executados para representar estes vampiros como guardiões do sumo da
produção humana, daí o nome deles serem os mesmos dos personagens
bíblicos Adão e Eva, também uma metáfora. Na casa de Adam, já
instalações elétricas que remetem aos projetos inacabados de Tesla,
mostrando como a falta de valorização da produção cultural como um todo é
um grande atraso, que é ligeiramente comparado com as nossas
instalações em determinando momento, mas de maneira bem sutil.
Ao longo do filme surge Ava (Mia
Wasikowska), irmã de Eve, que representa a nulidade e trivialidade de
nossa época. Ela quebra a paz do casal colocando em risco sua
sobrevivência. Não entrarei em detalhes do como, vale a pena assistir e
perceber como ela quebra a paz deles por não conseguir consumir o sumo
essencial do humano, seja o sangue, seja a cultura.
Ao
final, sem estragar a sua surpresa, ambos serão obrigados a uma grande
mudança e retorno a certas práticas antigas dos vampiros. Entretanto, a
cena final pode ser compreendida como um aviso: a única forma de
apreciar o sumo da produção artística, científica e cultural de nossa
época é sair dos grandes centros e deixar o isolamento intrínseco a
condição de um apreciador da cultura para poder sugar essa produção rara
mas ainda existente…
Ver um filme sobre vampiros que sai da
mesmice propondo uma interpretação sobre nossa época é incrível. O
resultado final entre brilhantes interpretações, belas concepções de
cenários, fotografia, trilha sonora e montagem final tornam o filme bem
interessante. Há quem tenha considerado o desenrolar do filme um tanto
lento, entretanto, isso é um elemento de linguagem interessante a
crítica proposta pelo autor, afinal, como criticar a rapidez e
trivialidade de nossa época usando-se cortes rápidos? Daí o resultado
final ser tão interessante.
Somente, antes de finalizar, proponho uma questão a você que está lendo: Por que o filme se inicia com um disco girando?
Publicado originalmente em: http://supernovo.net/oscinefilos/only-lovers-left-alive-critica/
© 2014 Tiago de Lima Castro
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