Filosofia, Música e Sociologia: a presença e continuidade no currículo escolar



Vamos discutir sobre o retorno destas disciplinas ao ensino médio. Muito se tem discutido sobre isso, a contribuição que este texto busca talvez nem seja expressiva, mas o tema urge por constantes reflexões tanto para que suas práticas não se naturalizem como para que o debate exista sobre a relação destas disciplinas com o existir no mundo dos educadores e educandos. Neste texto há ecos de múltiplas leituras e discussões anteriores que necessitam ser retomadas constantemente e agradeço a estas.


Primeiramente, este retorno, em geral, veio sem um preparo grande de currículos ou materiais didáticos antes de seu retorno obrigatório, entretanto, isso traz a possibilidade de criação para além das práticas efetivas naturalizadas na escola. Esse espaço de criação traz o risco da experimentação, da busca do novo, ou mesmo do descaso de meramente repetir em sala de aula as práticas universitárias destas áreas, as quais apresentam outros enfoques diferentes do escola.

Porém, o seu retorno não implica em sua continuidade no currículo escolar, afinal, a justificativa de sua presença nem sempre é clara as mães, pais e a população brasileira em geral. Acostumados com uma concepção de que somente disciplinas que possibilitem a aquisição de um emprego são necessárias e essenciais a prática escolar, sendo as demais conteúdos desnecessários devido essa compreensão da escola somente enquanto porta para o mercado de trabalho.

Quais seriam as possibilidades de sua permanência? E quais consequências destas possibilidades?

A sua presença no vestibular?

A obrigatoriedade destes conteúdos nos exames de vestibular realmente seriam uma forma de possibilitar sua permanência. Afinal, se cai no vestibular é necessário aprender para pode poder passar nele. 

Em uma visão em que a escola seja um contínuo adestramento para o vestibular, essa é a melhor forma de manter as disciplinas, inclusive fornecendo empregos aos professores nos cursinhos...

Não obstante, compreender estas disciplinas dessa maneira é sua completa desfiguração.

A filosofia praticada dessa maneira privilegiaria conceitos abstratos da tradição filosófica em um único viés interpretativo advindo do próprio vestibular. A própria tradição filosófica passaria por determinados “pentes finos” para uma fixar-se naquilo que “cai no vestibular”. Como o tempo dado a disciplina na grade curricular já é escasso, a sua adequação ao adestramento do vestibular tornaria uma prática conceitual mais abstrata que o mundo inteligível platônico. Pela praticidade do adestramento, ao invés de possibilitar o estranhamento deflagrador da própria filosofia com acesso a textos originais, por exemplo, o caminho seria o apostilamento dos conceitos, o que é consequente a escolha deste “modus filo-a-sóficus”.  Este apostilamento também levaria a uma definição rápida dos conceitos abordados, ao invés de trabalhar o processo de gênese pelo qual o conceito passou e mesmo seu uso para ter uma perspectiva de coisas cotidianas.

A sociologia que carece da mesma escassez de tempo tornar-se-ia abstrato e deslocado de seu objeto de estudo. Ao invés de utilizar-se dos conceitos sociológicos construídos para fornecer leituras da sociedade a volta do educando, o foco da disciplina seria meramente a instrução de conceitos sociológicos e não a utilização destes para propiciar leituras do que há em volta dos educandos. E tais conceitos ao invés de serem discutidos por diversos abordagens e escolas sociológicas, seriam escolhidas algumas abordagens e escolas para focalizar o ensino a prova de vestibular, ou mesmo pinçar-se-ia conceitos isolados de diferentes perspectivas para fantasiar esta prática de um ensino plural.

A música também sofreria um enxugamento de práticas e reflexões que esta possibilitaria para um conjunto de informações necessárias a realização do vestibular. Talvez, informações históricas de compositores, decorar instrumentos que compõe naipes de orquestras, lembrar do nome de ritmos de determinadas canções...

O engajamento dos educandos com as disciplinas?

Tais disciplinas podem tocar de tal maneira os educandos em sua prática efetiva que estes considerariam absurdo o seu desaparecimento dos currículos escolares. Num processo de ruptura com práticas de adestramento ao vestibular, ou ao emprego; tendo confiança nas capacidades de aprendizado e criação dos próprios educandos, tratando-os efetivamente enquanto humanos que aprendem no contato; e não temendo o educador colocar-se em relação com os educandos para nesse processo usar as disciplinas, em suas especificidades, como um processo de tocar o mundo, o cotidiano, a realidade...

Para esta realização, o educador necessita sair de si mesmo, deixar de ver sua prática como mero possibilitador de manutenção de seu emprego com a manutenção das disciplinas no currículo escolar, vendo nelas possibilidades de transformação por possibilitarem, na relação entre educador e educando, um acesso renovado a tudo que está a volta do educando e educador e de que tão presente, parece invisível...

Com a filosofia se utilizaria a tradição filosófica como meio de acesso não somente aos resultados da reflexão dos filósofos, mas ao seu próprio processo de reflexão, compreendendo a apreensão do conceito não em seu fim expresso em algum texto, mas no caminho de construção deste conceito. Mesmo havendo tempo escasso para esta disciplina, alguns textos da tradição filosófica poderiam ser lidos e interpretados com os educandos, pois aqui se confia em seu potencial filosófico. Estes conceitos não seriam vistos como construções mortas ao longo da história da filosofia, mas construções que permitam ver a volta de educando e educador, como possibilitador de interpretação deste entorno. A própria compreensão de que a realidade é uma construção de sentidos por parte de humanos pode desencadear uma busca por novos sentidos, gerando novas perspectivas através dessa troca. Ter essa compreensão do ensino de filosofia é uma abertura ao novo que emerge exatamente no contato entre educador e educando, tornando impossível uma sistematização de suas possibilidades, pois é exatamente na não-sistematização que torna esse ensino um ato estético, de beleza, de criação e de novas proposições no próprio modo de existir no mundo de educandos e educadores. Aqui não deve haver o risco de tornar o ensino de filosofia a defesa de determinada escola ou sistema, mas sim uma verdadeira pluralidade em que o educador pode posicionar-se, mas também abrir-se ao novo para que dessa maneira, os educandos ao ver seu exemplo também arrisquem-se em territórios do pensamento ainda não explorados.

A sociologia poderia buscar vivenciar o processo de estudo sociológico com os alunos, mostrando não somente as conclusões e interpretações da história da sociologia, mas o como chegou-se a este conceito, buscando aplica-lo a questões em torno do educador e educando. Mesmo perpassando por diversas escolas e aplicando-as a questões aparentemente simples, estas possibilitariam interpretações criativas para um engajamento de educandos e educador no estudo da sociedade a sua volta. Questões que geram polêmica no tempo em que o ocorre a relação de ensino permitem trazer perspectivas sociológicas a compreensão de questões como minorias, por exemplo. Mesmo o tempo sendo escasso, identificando questões que emergem dos próprios educandos pode ser o deflagrador da vivência de um estudo sociológico através da relação educacional. Também aqui não há limites a criação...

A música dentro desta concepção, exige do educador a capacidade de ver possibilidade musical nos educandos, desnudando-se de qualquer preconceito perante a possibilidade destes articulando ao respeito com as opiniões musicais destes. Talvez, despertá-los para audição musical já seja uma importante contribuição, afinal, o ato de escuta musical parece ser algo mitológico de tempos imemoriais, mesmo com músicos segundo Murray Schaeffer... O âmbito da criação na prática educativa é pleno por aqui, pois pode-se voltar as práticas como canto orfeônico, do método Kodály, entre outros; contudo, para inspirar novas práticas despertando novas maneiras de se relacionar com a música. A grande dificuldade é que o ensino musical tem sido praticado com o foco em “formar novos músicos” dentro de parâmetros muito estreitos e pré-formatados do que seja um músico. As experiências históricas no Brasil, na Hungria, nos EUA, entre outros; são tomadas como receitas prontas sem reflexão sobre os fundamentos teóricos subjacentes a prática, o contexto sociocultural em que ocorreram e seus resultados efetivos que necessitam ser analisados criticamente. No caso das práticas históricas brasileiras, tem-se ainda um sentimento colonial do que sendo uma prática brasileira é necessariamente atrasada e provinciana, urgindo uma volta aos paraísos perdidos do primeiro mundo... A própria relação existente, mas pouca refletida, de uma relação entre proposta estética e prática de ensino necessita ser repensada, afinal, para haver liberdade e real engajamento, a prática pedagógica deve buscar a criação de novas estéticas e não uma imposição estética disfarçada de liberdade... Vivemos um grande atraso no ensino musical o qual baseia-se numa tradição simplesmente dada, ignorando-se práticas musicais contemporâneas, esquecendo-se de práticas ancestrais que podem ter muito a nos dizer e reinando falácias de autoridades nas instituições de formação musical. Sair de ambientes voltados a “formação de músicos” pode ser vital a uma renovação na própria relação com a música.

Conclusão?

Aqui não há exatamente uma conclusão, mas um chamado ao debate e a reflexão somente.

Estas disciplinas, se é que devemos trata-las dessa maneira, somente sobreviverão na escola se romperem com a tendência que as disciplinas tem em tornar-se práticas estáticas para serem práticas dinâmicas de plena relação entre educando e educador.

Tentar estabelece-las na lógica do vestibular é exatamente o primeiro passo para colocar seu término, afinal, a priori são disciplinas vistas como fora da realidade, fora do mundo e do cotidiano. Ter uma prática criativa que possibilite novas relações com o próprio mundo é a única forma tanto de seu ensino ser efetivo e, quiçá, transformador para que se mantenham por uma dignidade vista pelos educandos.

Se nos focarmos somente na manutenção de nossos empregos enquanto educadores destas disciplinas, nada ajudará pois nos encaminhará a ruína destas e, o que é muito pior, deixarmos de propiciar relações efetivamente educacionais com nosso educandos reproduzindo a penúria e desgraça que o ensino tem sido, se é que tem havido algum ensino...
 


© 2014 Tiago de Lima Castro

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