Estética: “ilha reflexiva” ou viés filosófico? E o design com isso?
Introdução
Todos
são expostos a objetos que não tem uma origem meramente útil. Um carro
não é somente um objeto de locomoção e transporte, mas também um objeto
que reflete desejos e anseios de quem o almeja, de modo que,
parafraseando Slavoj Žižek, talvez até ensine quem o deseja a
propriamente desejá-lo. Esta possibilidade do design como aparência do
pensamento e do desejo, torna o design um alvo de reflexão interessante
tanto a quem trabalha com design como a quem somente o consome.
Uma das chaves para se refletir o design é a estética. Porém, a
reflexão estética pode realizar-se como uma “ilha reflexiva”, ou seja,
uma reflexão centrada nos próprios domínios da estética; ou como um
campo filosófico em debate com ética, política, ontologia, entre outros.
Estética enquanto “ilha reflexiva”
A reflexão filosófica sobre a arte e o belo é tão antiga quanto a
filosofia, porém, no século XVIII, estética surge como disciplina
filosófica com Baumgarten, que cunhou o termo para discutir “[...] a
ciência do conhecimento sensitivo” (1995, p. 95) como forma de
compreender o belo através da experiência sensitiva que se tem através
da arte ou a natureza. O termo advém do grego aísthesis, que abrange os conceitos atuais de sensação e percepção (GOBRY, 2007).
A estética passará a lidar com a experiência estética enquanto uma
chave para apreensão de conceitos como belo, sublime, agradável, entre
outros. A experiência estética é vivenciada por um sujeito ao se deparar
com um objeto, porém, não é uma relação que visa conhecimento, mas uma
relação “intuitiva” e particular que, segundo Kant (1995), tem a
peculiaridade de não depender de alguma utilidade advinda deste objeto.
Por exemplo, quando uma pessoa vê uma obra de arte, pode vivenciar uma
experiência estética ao perceber a beleza da obra, como pode vivenciá-la
ao se deparar com a natureza, ou mesmo com algo projetado por um
designer, sem haver alguma utilidade intrínseca a esse objeto.
Além
disso, questões referentes aos artífices e artistas, apreciadores e do
gosto emergem da reflexão estética sem, necessariamente, “sair da ilha”.
A estética após Kant continua a ser um desafio ao pensamento, mesmo
com as diversas propostas filosóficas abalarem conceitos presentes no
pensamento kantiano e no pensamento moderno em geral, ainda a
experiência estética tem sido um eixo de reflexão da estética através de
outras categorias posteriores ao kantismo. De maneira que se pode
pensar a estética através de diversas correntes filosóficas sem sair do
âmbito próprio à estética.
Porém, ao mergulhar na estética podem surgir questões como: Esse
objeto existe? Existe um “eu” que se relaciona com o objeto? Qual a
influência da memória nessa experiência? Existe alguma consequência da
experiência estética? Essa experiência tem bases psicológicas,
cognitivas ou sociais?
A estética enquanto viés filosófico
Pensar sobre a experiência estética leva a pensar sobre tudo aquilo
que a envolve daí ela suscitar questões ontológicas, linguísticas,
éticas, políticas, entre outros.
Na tradição filosófica, existem vários exemplos de como a reflexão
estética é um viés para refletir outros campos filosóficos. Em Platão,
na República, a reflexão estética está em pleno debate com a
ética, política e educação; em Kant, a reflexão estética é uma
consequência de seu projeto crítico; em Schopenhauer, há uma relação
intrínseca entre o metafísico, o estético e o próprio viver; para
Theodor Adorno, a estética não é mero campo de reflexão, mas parte
intrínseca de um projeto de superação e ruptura da reificação; para
Martin Heidegger, o próprio filosofar é em si mesmo um ato estético; e
como em muitos outros exemplos que poderiam ser elencados. Ousaria dizer
que é a experiência estética de Nietzsche, enquanto filólogo, com a
tragédia grega, que deflagrou sua reflexão filosófica.
Mesmo em filósofos contemporâneos como Slavoj Žižek e Peter
Sloterdijk, pode-se ver o potencial da estética enquanto fomentadora de
múltiplos questionamentos filosóficos que extrapolam a estética.
E o design com isso?
A
estética é uma chave para se refletir sobre o design. Como toda chave,
abre portas, porém estas podem necessitar da ousadia de “sair da ilha”
para realizar as inquietações que emergem ao se debruçar sobre o design
através da estética.
Pode parecer um exagero, porém, há uma pergunta interessante: Quando não há design na experiência cotidiana com o mundo?
Antes de pensar no design em si, pensemos nos objetos que vemos
cotidianamente, muitos projetados por designers. Pode ocorrer uma
experiência estética nesse contato com os objetos o que permite o início
de um processo de reflexão sobre esta experiência estética que vai
levar a questões amplas, como questões ônticas, ontológicas, éticas,
políticas, metafísicas, entra outras. O design, talvez, seja aquilo que
está presente e não seja tão perceptível, podendo a experiência estética
ser uma abertura de des-velamento, porém ao se estagnar nos domínios
próprios da estética corre-se um risco de re-velamento daquilo se
apresentava.
Referências
BAUMGARTEN, A. G. Estética. Tradução de Mirian Sutter Medeiros. Petrópolis: Vozes, 1993. 191 p.
GOBRY, I. Vocabulário grego da filosofia. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. 164 p.
KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valério Rohden e Antonio Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1995. 384 p.
GOBRY, I. Vocabulário grego da filosofia. Tradução de Ivone C. Benedetti. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. 164 p.
KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valério Rohden e Antonio Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1995. 384 p.
Texto publicado originalmente em: http://filosofiadodesign.com/estetica-ilha-reflexiva-ou-vies-filosofico-e-o-design-com-isso/
© 2014 Tiago de Lima Castro
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