Nerdices Filosóficas – Filmes e literatura de fantasia, quadrinhos: Por que são tão lidos?
Atualmente, obras de fantasia no cinema,
literatura e quadrinhos, animes, mangás, games, além dos produtos
derivados, são verdadeiros fenômenos de mercado. Há casos em que a
fantasia se passa em nosso mundo e outros em mundos advindos do
imaginário sobre a Idade Média. Esse fenômeno crescente tende a ser
encarado pelo ponto de vista de algo meramente comercial. No entanto, se
há consumo deste tipo de histórias é porque elas realizam algo em seus
leitores, mas o quê?
Por mais que este tipo de produção
perpassa todo o século XX, como podemos ver com J. R. R. Tolkien, C. S.
Lewis, Anne Rice, Neil Gaiman, Alan Moore, entre muitos outros; e
principalmente, após a trilogia cinematográfica do Senhor dos Anéis e o
fenômeno literário e cinematográfico Harry Potter, de J. K. Rowling,
este mercado só tem crescido. Porém, se o mercado fora despertado e têm
crescido é devido a estas obras responderem a anseios e desejos de seus
leitores. Se não houvesse um anseio anterior ao qual estas obras
respondem, não veríamos tantas produções em fantasia. O mundo de animes e
mangás são também fenômenos mundiais já há algum tempo, como se vê na
proliferação mundial de eventos com cosplays.
Em toda obra de entretenimento é comum a ocorrência da catarse,
ou seja, um estado em que a pessoa que aprecia a obra tem anseios e
desejos internos realizados na obra de entretenimento. Isto tem sido
analisado por Theodor Adorno (1903-1969) e outros membros da Escola de Frankfurt.
Nestas análises, trabalha-se com hipótese de que aquilo que a pessoa
não consegue realizar na vida, ela realiza no entretenimento a partir da
catarse, já que a obra mimetiza, imita aqueles anseios e desejos não
realizados na própria vida. Peter Sloterdijk, também realiza esse tipo de análise em relação à ira e a obra de Alexandre Dumas no século XIX.
Por muito tempo, têm-se classificado estas obras como mero entretenimento popular, como pseudo-arte, como kitsch,
algo que J. R. R. Tolkien escutou bastante, entre outras denominações.
Esquecemos que os grandes clássicos também foram obras populares em sua
época. Mas, independente do valor estético destas obras, o fato delas
serem tão procuradas pode ser uma via de percepção dos anseios
contemporâneos que se escondem no ato de apreciá-las. Apostaria que uma
das formas de compreender os anseios contemporâneos seja mergulhar
nestas obras para compreender o porquê de serem tão apreciadas. Talvez
futuramente, arrisco-me a dizer, nossa época será analisada exatamente
por meio destas obras…
Em todas elas se vê o encantamento, o
desconhecido, a magia… Em um mundo essencialmente sem sentido como o de
hoje, já que não se tem mais verdades universais que forneçam o sentido
de tudo, cabendo a cada pessoa encontrar esse sentido individualmente; é
sintomático essa busca por mundos mágicos em que esse sentido ainda
subsiste de alguma maneira. Tanto se defendeu um mundo desencantado,
como diria Max Weber (1964-1920), que quando ele efetivamente se
realizou passou-se a buscar no entretenimento novamente a magia e
elementos metafísicos que dariam sentido a tudo.
Em obras como Game of Thrones (Guerra dos Tronos),
de George R. R. Martin, em que sua política relaciona-se diretamente
com a política em nosso mundo, cada membro de uma casa tem seus ideais,
tem crenças sob as quais erigem sua existência. Mesmo ali, em seu
realismo político, vemos ideias guiando estas ações políticas. De
maneira que a obra mostra uma política como a nossa, onde as pessoas que
agem tem um sentido existencial que justifica suas ações. O sucesso dos
livros e série não é uma amostra de nossa falta do encantamento, de
sentido do mundo, a ponto de acompanhar o sentido existencial dos
personagens, talvez, proverem a falta de sentido existencial de seus
admiradores?
Além disso, todas estas obras criam novos
mundos, sejam próximos ao nosso contemporâneo ou próximo a imaginários
medievais. Enquanto que o século XX buscou realizar utopias, sejam
comunistas ou liberais, os anseios do século XXI têm-se realizado na
criação destes novos mundos. Há descrença na possibilidade de
transformação do mundo que habitamos unidos a percepção de que ele possa
estar completamente errado, o que leva a essa busca por novos mundos no
cinema, literatura, quadrinhos e games.
Tais mundos apresentam ideais como:
heroísmo, honra, amizade, obstinação, entre outros. Num mundo sem
valores colocados de antemão, é curioso essa busca ocorrer através
destas obras. Mesmo os mundos fantásticos contemporâneos têm elementos
do imaginário medieval. Não é minimamente curioso buscar estes valores
na literatura e não em figuras históricas como ocorreu num passado
recente com Che Guevara, entre outros? Enquanto em nosso mundo a
aparência física têm-se tornado o principal meio de reconhecimento pelo
outro, a busca de personagens que são reconhecidos pelos seus atos fala
muito sobre como se vivencia a contemporaneidade.
Ver os anseios respondidos por estas
obras pode ser um grande meio de compreensão dos anseios de nosso tempo.
Há necessidade de olhar mais profundo a estas obras, pois este fenômeno
de mercado somente existe por realizar algo em seus apreciadores que a
vida não tem realizado. Estes realizadores têm canalizado estes anseios
que parecem vir de todos os cantos do planeta, a questão é: O que,
efetivamente, eles têm canalizado e não conseguimos enxergar?
© 2013 Tiago de Lima Castro
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