Nerdices Filosóficas – O Senhor dos Anéis e a inocência ética dos Hobbits
Na obra O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings), de J. R. R. Tolkien, vemos o Um Anel ir parar nas mãos de Frodo, um simples Hobbit como os demais, que vive a singeleza de uma alegria, talvez, epicurista, e uma postura pirrônica perante o conhecimento. Estas criaturas tem a admirável capacidade de manter a inocência e a pureza mesmo enquanto adultos.
Ao ver os filmes, ou ler os livros, vê-se
que o destino da Terra-Média está nas mãos destas simples criaturas, ao
invés de membros de outras raças mais fortes e sábias é algo que
possibilita uma série de questões. Será que Sauron depositava confiança
que a inocência destas criaturas fariam que fossem bons fantoches aos
seus desígnios? Mas se for isso, por que eles resistem tanto a sua
influência? Lembrando o tempo que Bilbo ficou com o Um Anel e o
tempo que leva para Frodo corromper-se por sua influência. Por que
Gandalf, um dos maiar, não aceitou carregá-lo por poder ser corrompido,
mesmo tendo grande sabedoria?
Antes de continuar, recomendo ler o texto sobre ética e moral da coluna para esclarecer o uso dos termos.
Muitas éticas produzidas ao longo da
história da filosofia vão propor elementos racionais para condução de
nossas ações. Podemos citar Immanuel Kant (1724-1804), que irá propor como base racional para ética o imperativo categórico: “age de tal forma que a norma de tua ação possa ser tomada como lei universal”, na obra Crítica da razão prática (1788).
Falar de Kant em um texto curto é um grande desafio, mas a ideia básica
é que este imperativo é o ponto de partida racional para tomada de
decisões – apesar dessa proposta não ser estritamente racional, daí não
utilizar-se da razão pura para reflexão nesse caso. Se a ação que
planejo tem validade universal, ou seja, vale para todas as pessoas e
não me utilizo do outro como meio para algum fim, será uma ação ética.
Há muitas críticas posteriores as
propostas kantianas, não sendo o foco para este texto. Porém,
considerando uma pessoa em um momento de decisão extrema, teria ela
condições plenas de raciocinar sobre sua ação? Um exemplo: alguém irá
atirar em um desconhecido e você pode salvá-lo com um simples pulo
levando esse tiro, numa situação limite como essa não há tempo de
racionalização para efetuar uma escolha.
Será que inserido em um meio onde algo
terrível é considerado normal, por questões socioculturais, não se faria
atrocidades sem ao menos raciocinar, talvez por não ter condições de
fazê-lo tamanho o fechamento nesta sociedade? No período escravista do
Brasil, tratar uma pessoa como um objeto que se possui, o que era feito
com os escravos, era algo natural daí poucos refletirem e colocarem-se
contra esse absurdo. Refletir sobre a atrocidade que se comete no
simples ato de olhar a um humano e ver algo a lhe servir, um escravo,
exige uma condição de abertura e não fechamento nas crenças
estabelecidas socialmente.
Tal é a reflexão ética do filósofo francês Henri Bergson
(1859-1941), judeu, pois uma pessoa – lembrando que a sociedade que é
composta de pessoas – pode se fechar na linguagem, a qual representa a
realidade, não sendo a própria realidade que é movente em si mesma.
Somente uma abertura, não se fechando na linguagem e na representação,
que possibilita uma abertura moral; já que o fechamento gera a busca
pela extinção do outro, daquilo que é diferente do que é proposto pelo
discurso sociocultural, tendo num elemento extra racional, o amor, como
fonte de abertura para ações efetivamente morais.
Vladimir Jankélévitch
(1903 – 1985) foi um filósofo que se iniciou como comentador de
Bergson, mas comentando para produzir o novo, o que o próprio Bergson
percebeu e incentivou. Ele propõe que a moral, essa potência de decidir
por ações efetivas, não pode ser estabelecida pela razão somente, já que
a moral é um paradoxo. Um exemplo: como colocar de maneira racional uma
mãe que sacrifica seu próprio ser, passando fome para dar comida a seu
filho? É um paradoxo, pois o amor ao filho exige um esquecimento e um
sacrifício de si, o que não é algo estritamente racional, somente um
elemento extra-racional, o amor, pode gerar essa ação.
A nossa consciência, segundo
Jankélévitch, pode perder essa inocência que nos protege de todo
argumento racional para executar atrocidades, como ocorrera no
nazi-fascismo, que o filósofo vivenciou plenamente sendo judeu. Essa
inocência de levar a cabo esse ímpeto, esse impulso do amor que
permitiria ações efetivamente éticas. E o grande perigo de nossa
consciência é aceitar estes complôs de auto conservação que permitem,
por exemplo, vermos uma criança passando fome e ver aquilo como normal,
pois assim não sofremos com isso. Veja que Jankélévitch reflete a moral
pelo prisma da pessoa, em suas escolhas, principalmente, no momento
efetivo da escolha e da ação.
Em Tolkien, vemos que justamente os
Hobbits, os seres que mantém essa inocência infantil é que são capazes
de resistirem às tentações do Um Anel. Quanto tempo levou a que Bilbo e
Frodo fossem corrompidos? Quando Sam retorna para ajudar Frodo, mesmo
após este desconfiar dele, não o faz por uma reflexão racional, mas por
um impulso, por uma inocência de simplesmente querer ajudar seu amigo.
Essa inocência destes incríveis seres é que faz Gandalf os escolherem
para tão difíceis tarefas, e esta inocência, essa capacidade sublime de
amar, de vivenciar a amizade de maneira plena, que os torna tão
especiais e mostra que Tolkien sabia muito bem o que fazia ao escrever
este épico de nosso tempo, onde, paradoxalmente, encontramos a
verdadeira sabedoria de vida na inocência quase infantil de simples
Hobbits.
Fontes de aprofundamento
As duas fontes da moral e da religião, Henri Bergson
Bergson e Jankélévitch, Franklin Leopoldo e Silva
Crítica da razão prática, Immanuel Kant
Curso de filosofia moral, Vladimir Jankélévitch
Kant e o imperativo categórico
O paradoxo da moral, Vladimir Jankélévitch
O pensamento ético de Henri Bergson, André Brayner de Farias
Primeiras e últimas páginas, Vladimir Jankélévitch
The Lord Of Rings, J. J. R. Tolkien
Bergson e Jankélévitch, Franklin Leopoldo e Silva
Crítica da razão prática, Immanuel Kant
Curso de filosofia moral, Vladimir Jankélévitch
Kant e o imperativo categórico
O paradoxo da moral, Vladimir Jankélévitch
O pensamento ético de Henri Bergson, André Brayner de Farias
Primeiras e últimas páginas, Vladimir Jankélévitch
The Lord Of Rings, J. J. R. Tolkien
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-o-senhor-dos-aneis-e-a-inocencia-etica-dos-hobbits/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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