Nerdices Filosóficas – Jornada nas Estrelas: Spock e a lógica

Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Juan Villegas
Vitrine: Valério Gamer
Spock é um personagem clássico da série Jornada nas Estrelas (Star Trek), que é uma das maiores franquias de séries e filmes do mundo nerd, o que gerou bonecos, convenções, entre muitos outros.

A série original foi exibida nos anos 60, tendo somente três temporadas e pouquíssimos recursos técnicos. Ela destacou-se por unir elementos de ficção científica pesada, com roteiros bem feitos, boas doses de humor e conflito, aproveitando-se, em certos momentos, do baixo orçamento da série para isso.


Um dos personagens que marcou história foi Spock, um híbrido da raça vulcana e humana. Quem já assistiu a série vê que o personagem refere-se a todo o momento à lógica, sendo através dela que ele traça suas ações, ignorando as emoções, o que é a fonte de conflitos entre personagens. Daí surge a questão: O que é a lógica? Afinal, utilizamos tanto esta palavra, mas será que sabemos o que ela significa?

Para compreendermos o que é a lógica, precisamos retornar ao termo grego lógos, que significa tanto “linguagem” como “fala”, já que entre os gregos falar em linguagem implica em linguagem falada. A escrita era mero meio de registro e imitação da fala. Entre os gregos era muito claro que a linguagem, a fala, e o pensamento eram a mesma coisa. Eles não compreendiam a linguagem como uma expressão do pensamento, mas o próprio pensamento era linguagem. Quando se pensa em algum assunto, não se pensa utilizando palavras? É desta experiência natural que permite aos gregos considerarem o lógos tanto como a fala, a linguagem, ou pensamento. Dessa maneira, a lógica pode ser compreendida como o estudo das leis do pensamento, do encadeamento do raciocínio, da verificação da validade de um raciocínio.

O estudo metódico da lógica iniciado por Aristóteles, vai estender-se a toda história da filosofia. Com os medievais, o lógos grego se aproximará do termo ratio latino, de onde se deriva o termo razão. A ratio tem origem no romano Cícero (106 a.C. – 43 a.C.), em seu procedimento de buscar termos latinos para expressar conceitos filosóficos gregos, sendo que originalmente o termo tinha o sentido de conta, que podemos aproximar da ideia de um livro caixa, ou seja, resultado de um cálculo, uma conta, de finanças. Cícero, provavelmente, aproximou o lógos (do grego) do ratio (do latim), já que um raciocínio bem desenvolvido tem o mesmo grau de certeza exigido de um livro caixa, que é possível somente com um cálculo bem desenvolvido.

Após a renascença, na modernidade, o processo de argumentação vai, paulatinamente, exigindo de elementos empíricos, perceptíveis, científicos; enquanto na antiguidade e na idade média, o próprio bom uso da linguagem, da lógica, é o essencial para validar um raciocínio. Ao longo da modernidade, cada vez mais a lógica se tornará somente um meio de apresentar ideias, e não a forma de descobri-las, de conhecer a realidade. Mesmo assim, há áreas do conhecimento que necessitam mais da lógica para desenvolver-se do que experiências empíricas ou científicas, como a matemática.

Um medieval, como Santo Anselmo (1033-1109), utilizava a lógica para provar a existência de Deus. Um leitor com uma leitura moderna considerará isso como absurdo, pois ele não prova através de dados empíricos, mas somente através da linguagem, do raciocínio e da lógica. O correto seria o leitor se colocar na postura do medieval, para assim compreender a prova de Deus deste autor, o que não aceitar ou rejeitar seu argumento, mas compreender o seu processo de raciocínio.

Voltando ao Spock, vemos como o personagem tem comportamentos similares aos monges medievais. Mesmo sua natureza híbrida de vulcano, o aspecto lógico, e humano, o aspecto emocional, que o leva a uma constante busca por reprimir as emoções e utilizar-se da lógica, o que reporta aos medievais. Mas ao mesmo tempo, o personagem é aquele que consegue propor hipóteses completamente inesperadas e interessantes exatamente por utilizar-se da lógica, indo além dos próprios dados experimentais. Em alguns casos, o esquecimento de dados empíricos o leva a propostas questionáveis, mas ao mesmo tempo, muitos episódios somente são resolvidos devido à sua capacidade de ir além do que se vê, e usando da lógica de maneira quase clássica, avançando nas soluções de certos conflitos.

O conflito, quase constante, com o Dr. McCoy tem, também, origem na maneira como raciocinam, já que McCoy pensa de maneira moderna, científica, mas isso será tema de outro número da coluna. Enquanto isso, analise como o personagem raciocina por outros caminhos, no seu uso da lógica e reflita: Será que podemos abandonar a lógica por completo? A questão não é se devemos abandonar o raciocínio científico em troca do raciocínio medieval, mas compreender como se pode pensar simplesmente através da lógica e suas consequências, no que o Spock pode nos ajudar bastante.

 Fontes de Aprofundamento

A prova da existência de Deus na perspectiva ontológica de Anselmo, Rodrigo Artur Medeiros da Silva
Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano
Introdução á lógica, Irving M. Copi
Vocabulário grego da filosofia Ivan Gobry
Vocabulário latino da filosofia, Jean-Michel Fontanier

Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-jornada-nas-estrelas-spock-e-a-logica/

© 2013 Tiago de Lima Castro

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