Nerdices Filosóficas – Batman, Coringa e o contrato social

Autor: Tiago de Lima Castro
Revisão: Juan Villegas
Vitrine: Valério Gamer



Vamos conversar sobre o filme “O Cavaleiro das Trevas” (The Dark Knight), lançado em 2008 e dirigido por Christopher Nolan. Neste filme há o confronto entre Batman, interpretado por Christian Bale, e seu pior inimigo, o Coringa, interpretado pelo saudoso Heath Ledger, aonde o personagem é completamente imprevisível, o puro agente do caos, mas com uma grande capacidade de orquestração desse caos.

Relembremos da cena em que o Coringa ameaça toda cidade, levando-a à evacuação através de barcos. Com o receio de que os prisioneiros pudessem ser libertos pelo Coringa, estes foram levados em um barco, enquanto outro barco foi carregado com civis. Mas tudo é parte de um plano maior, onde as duas embarcações estão cheias de bombas, sendo que cada uma tem o detonador da outra embarcação. O Coringa estabelece um tempo limite, em que ele detonará ambas as embarcações, a não ser que uma delas acione o detonador da outra.

Dessa maneira, os policiais do barco com prisioneiros necessitam acionar o detonador do outro barco para sobreviverem, matando os civis e outros policiais ali presentes, ao mesmo tempo em que se salvam com os prisioneiros presentes em seu barco. No outro barco, os policiais e civis necessitam acionar o detonador do outro barco, também para sobreviverem. Ambos têm urgência em decidir o que fazer, já que a outra embarcação pode detoná-los a qualquer momento, ou o Coringa pode sacrificar as duas embarcações simultaneamente.

Tal dilema, onde a manutenção da própria vida exige a morte do outro, leva os indivíduos a saírem de sua “máscara social”, para mostrar sua verdadeira natureza. Vejamos as situações:

No barco de civis, eles têm que lidar com o medo dos bandidos no outro barco dominarem os policiais e detonarem a bomba, afinal, como são bandidos, já devem estar fazendo isso. Como escolheram ser bandidos, talvez nem mereçam a própria vida. Os policiais sabem que se detonarem a bomba, serão culpados não só pela morte dos bandidos, mas de colegas policiais que estão simplesmente cumprindo seu dever.

No barco dos bandidos a tensão é a mesma. Como são bandidos, eles sabem que os civis do outro barco não pensarão em poupá-los, e nem sentirão remorso. Sendo que os policiais apresentam o mesmo receio dos bandidos, ainda com a carga de poderem tornar-se assassinos de civis. Podemos ver como o policial que segura o detonador fica completamente atordoado por esse terrível dilema, ou talvez, na esperança que um bandido o domine e acione o detonador, liberando a culpa dos policiais pelo assassinato.

Ao falar sobre seu plano ao Batman, o Coringa diz que todos podem se tornar loucos, basta que algo muito intenso ocorra. Podemos interpretar que ele almeja demonstrar a natureza humana como corruptível à uma situação limite, apontando não somente a possibilidade da corrupção como intrínseca à natureza humana, mas aponta a própria maldade como a verdadeira natureza humana.

Como vimos no artigo sobre “Os 300 de Esparta”, na antiguidade via-se a convivência social como intrínseca a natureza humana. Na modernidade, surgida após a Renascença, o pensamento político se modifica, pois se passa a ver o humano enquanto um indivíduo, um sujeito autônomo, que para conviver em sociedade, saindo de seu estado natural, realiza um pacto social, ou contrato social, renunciando ao estado natural para conviver em sociedade. Entre os antigos, essa convivência era essencial ao humano, aqui ela surge como uma renúncia ao seu estado natural. Dependendo de como se compreende a natureza humana, gerará uma diferente compreensão do contrato social.

Há três posições clássicas: Thomas Hobbes (1588-1679), que propõe que a natureza humana é egoísta, sendo o “homem o lobo do homem” e, consequentemente, o contrato social é a renúncia da liberdade individual como forma de evitar que os humanos se destruam por sua maldade natural; John Locke (1632-1704), pai do liberalismo, que vê o humano no estado natural com direito à vida, à liberdade e à propriedade, tendo o direito de punir um ofensor, mas de maneira proporcional à ação ofensiva, sendo o contrato social uma forma de delegar a punição ao Estado, para que este mantenha a liberdade e os direitos de todos; e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o qual diz que “tudo é bom quando vem das mãos do criador”, ou seja, a natureza humana é boa, sendo que é a sociedade que o corrompe, através do egoísmo gerado pela propriedade privada, sendo o contrato social uma forma de lidar com esse danoso egoísmo individual – o que vai influenciar Marx posteriormente.

Vemos que o Coringa aposta em Hobbes, ou seja, que seu experimento social demonstrará que a natureza humana é má, bastando uma situação limite para o indivíduo romper com o contrato social. No barco dos bandidos, vemos um, bem ameaçador, que se levanta e diz ao policial que vai fazer o que ele deveria ter feito e joga o detonador pela janela, sentando-se em posição de oração, ou seja, mostrou a bondade natural proposta por Rousseau, e, provavelmente, é bandido por ter sido corrompido pela sociedade, pelo menos assim o filósofo explicaria. Já no barco dos civis, a votação leva a escolherem detonar o outro barco, mas quando o civil que ficara responsável de realizar a detonação, por ter movimentado a votação, percebe que, individualmente, retirará a vida de muitos indivíduos, o que é uma punição fora de proporção na concepção de Locke, e não consegue realizá-lo, como mais ninguém do barco.

Podemos ver essa cena como um debate do contratualismo, mesmo que ele não discuta estas situações limites, sendo uma aproximação para refletir sobre a natureza humana e o contrato social. Tendemos a estes dois pólos, Hobbes e Rousseau, sem mesmo percebermos. E você, amigo leitor, como vê a natureza humana?


© 2013 Tiago de Lima Castro

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