Nerdices Filosóficas – Hobbits, conhecimento e felicidade

Nerdices Filosóficas
Revisão: Juan Villegas
Vitrine: Valério Gamer

Nas últimas colunas, discutimos sobre o estoicismo e o epicurismo, hoje vamos continuar discutindo sobre helenismo, ainda com o olhar de suas escolas filosóficas enquanto exercícios espirituais.

Talvez você estranhe que vamos falar de uma proposta concorrente ao epicurismo para falar de hobbits ainda. Como falamos na coluna sobre Filosofia e a Realidade, a arte e a filosofia são diferentes formas de conhecimento, e o que fazemos na coluna é um encontro entre ambas. Todo texto, quadrinho ou filme, pode ser analisado sem ser esgotado. Como exemplo, veja o livro O Hobbit e a Filosofia, o qual apresenta outras abordagens.

Vamos falar sobre o ceticismo de Pirro (365 a.C. —275 a.C.). Ele foi um cavaleiro de Alexandre Magno, que após voltar de sua campanha, voltou para sua cidade, Élis e fundou sua escola filosófica, o pirronismo (ou ceticismo pirrônico).

Vemos que os hobbits têm certa tecnologia, mas têm somente o essencial às suas necessidades, sem grandes pesquisas e busca pelo progresso. Ao mesmo tempo, vemos que eles não dão muita importância ao conhecimento que está fora de suas necessidades práticas. Vemos que os elfos, por exemplo, tem o conhecimento também como um fim, similar aos magos. Já os hobbits não, eles simplesmente buscam conhecer o necessário às suas atividades, sem ter o próprio conhecimento como um objetivo em si mesmo.

Isso mostra uma postura cética semelhante a de Pirro. Ele propunha que não tínhamos condições de conhecer as coisas como realmente são, então a única coisa cabível ao homem é a suspensão do juízo (no gr. epoché). O fato de aceitarmos nossa incapacidade de conhecer as coisas como são, nos leva à infelicidade, à tristeza e à perda da paz de espírito, daí ser a epoché, a suspensão do juízo, a maneira do homem conseguir a paz de espírito, a ataraxía, e daí a felicidade. Embora outros céticos compreenderam o ceticismo de maneira diferente, o nosso foco é o ceticismo de Pirro.

Como somos modernos, temos dificuldade em entender como a suspensão do juízo (epoché) pode nos trazer felicidade, se em nosso mundo a ciência muitas vezes deixa de ser um meio para ser um fim em si mesmo. Pense no sofrimento que a ansiedade para saber alguma coisa, por exemplo, nos perturba interiormente. Principalmente em fofocas, comentários de outras pessoas sobre nós…

Pense também na angústia em saber o que ocorre no próximo livro de uma saga, no próximo número da HQ, no próximo capítulo de uma série, de um anime, de uma novela, de um filme… Ou mesmo a angústia para vermos o Facebook, o Youtube, e todas as fontes de informação que a Internet nos propicia.

Na própria ciência, vivemos uma busca tão grande de conhecimento que perdemos a noção de finalidade, tornando a própria busca científica em um angustiante fim em si mesmo, a ponto de negligenciarmos questões éticas intrínsecas a ciência.

Talvez precisemos adotar uma atitude pirrônica em relação a esta sede de saber e se informar, como vemos nos próprios hobbits. Quando eles necessitam de algum saber para alguma finalidade específica, o buscam, não sofrendo com a ansiedade de ter que saber tudo, mantendo sua paz de espírito e felicidade. Não estamos dizendo que deveríamos renunciar ao conhecimento, mas tensionar esta busca com o ceticismo pirrônico, para que não deixemos o conhecer engolir o próprio ser.

Recomendo escutar o Randomcast sobre Alexandre e refletir o quanto a própria campanha de Alexandre o levou a esta proposição. Também recomendo rever livros e filmes sobre hobbits, buscando pensar e observar sua relação com o conhecimento e refletindo se não temos exagerado em sua busca.

Fontes para aprofundamento

Elogio da filosofia antiga, Pierre Hadot
Elogio de Sócrates, Pierre Hadot
Introdução à história da filosofia: As escolas helenísticas, Marilena Chauí
O Hobbit e a Filosofia, Gregory Bassham e Eric Bronson
The Hobbit, J. R. R. Tolkien
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, J. R. R. Tolkien
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry


© 2013 Tiago de Lima Castro

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