Nerdices Filosóficas – Hobbits e o epicurismo
Para compreender a coluna veja a página de explicação.
Vamos discutir sobre o epicurismo, outra escola filosófica surgida no
helenismo, sendo uma escola rival do estoicismo discutida na coluna O estoicismo da ordem Jedi, mas tendo o mesmo espírito da filosofia como exercícios espirituais, na expressão de Pierre Hadot.
Seu fundador, Epicuro (341-270 a.C.), criou uma escola que fora conhecida como Escola do Jardim, e a filosofia ali ensinada como Filosofia do Jardim. O epicurismo também tem como fim a felicidade (no gr. eudamonía) através do prazer (do gr. hedoné),
sendo que a palavra hedonismo, nos dias de hoje, tem um sentido
pejorativo devido à pintura feita por seus detratores. Essa visão tem-se
modificado com as pesquisas filosóficas sobre o helenismo, o qual
também já foi visto como um perigo de decadência da filosofia.
Analisar o modo de vida dos hobbits nos ajuda a apreender a maneira como Epicuro e seus discípulos enxergavam o prazer.
Tolkien, no prólogo de The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, nos diz que os hobbits: Têm
ouvidos agudos e olhos perspicazes, e, embora tenham tendência a
acumular gordura na barriga e a não se apressar desnecessariamente, são
ligeiros e ágeis em seus movimentos (They are quick of hearing
and sharp-eyed, and though they are inclined to be fat and do not hurry
unnecessarily, they are nonetheless nimble and deft in their movements).
Isso nos mostra que o fato de serem barrigudinhos e tranquilos é uma
escolha de vida. Essa tranqüilidade advém da própria maneira como eles
encaram a vida, vivendo o momento e cultivando uma vida de contínuo
prazer, sendo que este prazer é moderado. Por exemplo, lendo O Hobbit
vamos perceber que eles fazem muitas refeições ao longo do dia,
cultivando continuamente o prazer de comer. Se fizessem poucas refeições
comendo excessivamente não sentiriam prazer, sentiriam a dor da
congestão, entre outras possibilidades. A única forma de manter o prazer
de comer continuamente é realizando várias refeições ao longo do dia,
pois esse comedimento nos permite ter o prazer de comer continuamente,
sem a dor advinda do excesso do próprio prazer de comer.
A vida dos hobbits é pautada nesse equilíbrio de buscar o prazer, mas
tendo nele mesmo a referência de evitar o excesso para não gerar dor,
sendo esse controle de si que possibilita toda a tranqüilidade de sua
vida.
O prazer que Epicuro busca não é o prazer exagerado do hedonismo
compreendeu-se posteriormente, mas é o prazer na medida certa através do
controle de si, sendo esse equilíbrio entre a falta e o excesso que os
gregos chamavam de sophrosýne. O interessante que é exatamente o
conhecimento do momento em que o prazer torna-se dor, através das
próprias sensações, permite a vivência de um contínuo prazer, gerando a
ausência de dor (em gr. aponía), que permite o estado de ataraxía, palavra grega que pode ser traduzida como tranquilidade.
O hedonismo de Epicuro, portanto, não é o prazer em excesso, mas o prazer advindo da sophrosyné, da moderação, permitindo a aponía, a ausência de dor, possibilitando a vida em ataraxía, tranquilidade, sendo esta a ponte para a felicidade (no gr. eudaimonia).
O prazer não é concebido somente da alimentação, que utilizamos como
exemplo, mas a todos os aspectos da vida como hábitos, alimentação e
etc.
Os hobbits apresentam esse equilíbrio no prazer em todos os aspectos
de sua vida, na sua relação com a tecnologia, com a produção de
alimentos e tudo mais, daí serem ótimos exemplos para compreendermos a
proposta de Epicuro.
Pierre Hadot é um ótimo autor para compreender o modo de filosofar no helenismo. Os programas Hora da Coruja indicados abaixo ajudam a entender o Epicuro.
Observe o jeito de ser dos hobbits, como eles são tranqüilos e vivem
bem, mas sem exageros. Talvez nossa dificuldade com o prazer em nossos,
advém da busca de sua completa negação ou de sua busca em excesso, o que
não gera conseqüências somente em nós mesmo, daí temos muito a aprender
com os hobbits e com Epicuro.
Fontes para aprofundamento
Elogio da filosofia antiga, Pierre Hadot
Elogio de Sócrates, Pierre Hadot
Hora da Coruja: Tetrapharmakon de Epicuro 1
Hora da Coruja: Tetrapharmakon de Epicuro 2
Introdução à história da filosofia: As escolas helenísticas, Marilena Chauí
The Hobbit, J. R. R. Tolkien
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, J. R. R. Tolkien
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry
Elogio de Sócrates, Pierre Hadot
Hora da Coruja: Tetrapharmakon de Epicuro 1
Hora da Coruja: Tetrapharmakon de Epicuro 2
Introdução à história da filosofia: As escolas helenísticas, Marilena Chauí
The Hobbit, J. R. R. Tolkien
The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring, J. R. R. Tolkien
Vocabulário grego da filosofia, Ivan Gobry
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-hobbits-e-o-epicurismo/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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