Nerdices Filosóficas – Arquivo X e a busca da Verdade

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Nerdices Filosóficas
Vitrine: Valério Gamer


Arquivo X foi uma série de ficção científica dos anos 90 criada por Chris Carter. A série aborda um departamento do FBI, chamado de Arquivos X, no qual estão arquivados todos os casos bizarros não solucionados que podem envolver desde alienígenas, mutantes e todo o inexplicável imaginável e mesmo inimaginável. A série fez grande sucesso por unir ficção científica, teorias da conspiração, alienígenas, mutantes, coisas grotescas e investigações policiais. Tal forma fez grande sucesso, apesar de certo desgaste com o passar do tempo, gerando até mudanças no elenco.

A série, inicialmente, gira em torno de dois personagens praticamente opostos: Fox Mulder e Dana Scully. Mulder teve sua irmã abduzida quando criança, o que ele esqueceu, mas recordou através da hipnose e tem buscado a Verdade sobre esta abdução, o que o faz entrar para o gabinete dos Arquivos X. Scully é escalada com sua parceira com o objetivo de desacreditar a paranóia de Mulder, já que sendo uma cientista e, portanto, cética no sentido moderno da palavra, teria plenas condições de fazê-lo. Mas, não é bem isso que vai ocorrendo, já que seu ceticismo vai levando-a também a vislumbrar a Verdade…

Podemos ver os dois personagens como representantes de duas maneiras de buscar o conhecimento. Mulder tem fé, no sentido de confiança – como em sua forma latina fides – que há algo a ser descoberto, sendo essa fé que ilumina a sua busca de conhecer a Verdade, a qual ele já confia em sua existência de antemão. Já Scully, procura a Verdade por outro caminho, através da dúvida e do questionamento, sendo sua constante busca pelo erro nas investigações que a aproxima da Verdade. Tais posições são antagônicas, pois enquanto é a fé que leva Mulder a busca da Verdade, em Scully é a dúvida que a leva a Verdade.

Na história da filosofia, a postura de Mulder representa os filósofos medievais, como Agostinho de Hipona, Pedro Abelardo, Santo Anselmo, Tomás de Aquino, entre outros; os quais têm a fé como uma confiança em Deus, a qual lhes abre a possibilidade de utilizar da razão em busca da Verdade. Toda filosofia medieval erigiu-se por esse processo no qual a fé não é um obstáculo a razão, mas uma condição para exercê-la de maneira satisfatória. Claro que cada autor da época tem suas peculiaridades no trato da questão, mas aqui é somente uma visão panorâmica desse tema.

Temos dificuldades de compreender a visão de mundo medieval, pois lidamos com a razão de maneira diferente na modernidade, onde ela basta por si própria. Não podemos ler estes autores buscando compreendê-los se tivermos uma olhar moderno, o que vamos discutir ao analisar a personagem Scully. Além dos filósofos, os cavaleiros medievais, cruzados, templários, entre outros também vêem o mundo dessa maneira.

Já Scully representa a modernidade, a qual se inicia na Renascença estendendo-se aos nossos dias, sendo um tema constante, no debate filosófico, se ainda vivenciamos a modernidade em completude, se caminhamos em direção a transcendê-la ou se ainda não vivenciamos seu ápice.

A modernidade tem como marco filosófico a obra de Descartes, o qual busca a Verdade, mas não partindo da fé, mas colocando tudo em dúvida até achar um fundamento para erigir todo o conhecimento, sendo a dúvida e o ceticismo, portanto, um processo metodológico de busca da Verdade. Ao chegar ao fundamento da subjetividade, expresso na frase “penso, logo existo”, inaugura-se a modernidade filosófica. Não vamos falar sobre a subjetividade agora, mas esta postura de utilizar a dúvida como método de pesquisa vai marcar todo o modo moderno de encarar o conhecimento. A própria ciência utiliza-se da dúvida em seu processo investigativo.
Tente assistir a série tendo em vista essa dualidade: de um lado um personagem partindo de sua fé em busca da verdade, Mulder, e outra personagem buscando a Verdade através do ceticismo, Scully. A questão não é verificar qual é melhor, mas se você compreender o método de Mulder, já é uma porta aberta para compreender o mundo medieval, afinal, somos como a Scully, ou seja, simplesmente modernos.

Fontes para aprofundamento

Discurso do Método, René Descartes
Fé e Razão no Ocidente, Padre Elílio de Faria Matos Júnior

Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-arquivo-x-e-a-busca-da-verdade/

© 2013 Tiago de Lima Castro

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