Nerdices Filosóficas – Quem quer ser Herói
Para compreender a coluna veja a página de explicação.
Na coluna anterior
investigamos o que é o Herói para os gregos. Vamos investigar como o
processo educativo dos gregos estava relacionado ao ideal heroico.
Todos nós passamos pela escola, ou estamos passando por ela, ou ainda
voltaremos a ela. Quando não nos sentimos atraídos por determinada
matéria, começamos a perguntar: Por que estou estudando essa matéria
chata? Qual o objetivo de estudar isso? Isso somente não ocorre quando
você gosta da matéria ou da aula daquele professor ou professora, ai
estudar é até divertido.
Agora, não é muito diferente o ânimo que você tem para compreender
complexas regras de RPG? E aprender a jogar melhor no console, no
computador? Não é bom ler aquele livro, quadrinho ou mangá que não foi
indicado pela escola, mas você não pode esperar para lê-lo? E aquele
filme que você não aguenta mais esperar pela estreia, não é bem melhor
que assistir àquela aula que você nem sabe o porquê de estar ali?
Os gregos aristocráticos perceberam esse problema. “Como estimular a
criança a fazer os exercícios físicos, desenvolver o intelecto, e todo o
necessário para ele ser um bom guerreiro e defender a cidade quando
necessário?” Afinal, ele sabe que vai morrer naturalmente com o passar
do tempo, e já sofre por isso, como todos nós ao percebermos nossa
mortalidade, mas como guerreiro, provavelmente a morte chegará mais
cedo. Como ter honra com seus companheiros mesmo estando com sua própria
vida em jogo? Como ensiná-los que seu destino relaciona-se diretamente à
ação dos deuses, sendo que atuam dependendo de suas próprias ações?
Voltando à questão inicial, como educá-los a serem guerreiros, apesar de
toda a adversidade à condição humana?
Esta é a resposta que colocaram em prática: Através do ato de contar a história dos grandes heróis do passado. A Ilíada e a Odisseia
de Homero tinham a função de estimular as crianças, e jovens, a serem
como os heróis, pois ao ouvi-las, despertava o desejo de ser como
Aquiles (o protótipo do herói grego), Ajax, Odisseu, entre outros. Sabe
aquele momento em que você está lendo quadrinhos, um livro ou assistindo
um filme e desperta o desejo de ser como aquele personagem incrível?
Este é o mesmo desejo que despertava nos jovens gregos.
Deste modo, a sociedade grega gerou poetas como Homero (há muitas
discussões sobre sua existência histórica, mas para o grego, Homero
simplesmente era sua obra) que ao ser inspirado pelas Musas, compunha os
poemas, os quais não eram somente declamados, mas também cantados. Ao
mesmo tempo, surgiram os rapsodos, que semelhantes aos bardos medievais,
narravam estes poemas utilizando-se da eloquência e do canto de maneira
vibrante aos ouvintes.
As obras de Homero não somente tinham a função de despertar nos
jovens a busca por aprimorar o corpo e o espírito, mas também
exemplificam as minúcias de como ser um herói. Por exemplo, percebia-se
que o herói necessita compreender o papel dos deuses em seu destino; ter
autocontrole para evitar a hybris (o descontrole de si); ter respeito por parte de seus guerreiros, e toda a areté (virtude) necessária à execução de atos heroicos.
Vejamos o que nos diz Fênix, educador de Aquiles, sobre os objetivos
da educação: “Para ambas as coisas: proferir palavras e realizar ações” (Ilíada IX,
v. 443). Realizar ações, já que o herói só é herói quando realiza
efetivamente as ações heroicas, que serão cantadas pelos poetas e
rapsodos, mas também necessita proferir palavras, tanto para incentivar
outros guerreiros e negociar com os inimigos, como aprimorar sua razão
de maneira a domar os impulsos, evitando o descontrole de si (hybris),
como saber quando se retirar é melhor que permanecer, pois, como
adverte Jean-Pierre Vernant, para o grego: “Falar bem é pensar bem”.
Não devemos ver esse processo como uma manipulação, já que o alvo da
educação heroica eram os próprios aristocratas. Inclusive, o
questionamento desse processo educativo, no início da decadência da
democracia ateniense, gerará toda investigação filosófica de Platão.
A educação heroica desencadeou o teatro grego, a educação romana, o
ideal do cavaleiro medieval, que une o herói grego à virtude cristã, a
narração da vida dos santos na igreja católica, o herói romântico do
século XIX, ecoando aos nossos dias.
Pense: O quanto as narrativas heroicas nos influenciam hoje? Reflita
também: Por que valorizamos tanto o super-herói, algo além do ser
humano, ao invés do herói, que na compreensão grega, é o ser humano em
plenitude?
Fontes para aprofundamento
Apontamentos para o Estudo da Areté [Maria A. L. Tsuruda]Areté e cultura grega antiga: pontos e contrapontos [Gilda N. M. de Barros]
As origens do pensamento grego [Jean-Pierre Vernant]
Felicidade: Dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos [Franklin Leopoldo e Silva]
História da educação na antiguidade [Henri-Irénée Marrou]
Ilíada e Odisséia [Homero]
O paradigma do herói [Gilda N. M. de Barros]
Paidéia: A formação do homem grego [Werner Jaeger]
Portal Graecia Antiqua [Wilson A. Ribeiro Jr.]
Publicado originalmente em: http://randomcast.com.br/nerdices-filosoficas-quem-quer-ser-heroi/
© 2013 Tiago de Lima Castro
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